Diversidade: práticas inclusivas efetivas ou performáticas?

Rosilene Moraes Alves Marcelino

Quando o assunto diversidade toma corpo na sala de aula não leva muito tempo até a pergunta provocativa e necessária surgir:  as iniciativas e os discursos corporativos e/ou mercadológicos da diversidade compreendem efetivamente práticas inclusivas transversais ao negócio ou são iniciativas pontuais e performáticas?

Recordo, tempos atrás, de uma orientanda dedicada que, pautada inicialmente por este mesmo questionamento, se interessou em buscar o fio da meada do case Skol. À época, estava fresca a reverberação negativa da campanha da marca no Carnaval de 2015, na qual o slogan “Esqueci o não em casa” recebeu a complementação “E trouxe o nunca” por parte de feministas e ganhou repercussão nas redes sociais digitais. Muito embora o Conar tenha arquivado o caso por não entender ambiguidades ou insinuações, a Skol fez rápida correção de rota e incorporou dizeres como “Quando um não quer, outro vai dançar. Neste Carnaval Respeite”; “Tomou bota? Vai atrás do trio. Neste Carnaval respeite”; “Não deu jogo? Tire o time de canto. Neste Carnaval respeite”.

O saldo dessa história foi o reposicionamento da marca, deixando no passado, mas sem negá-lo, a sexualização e o estereótipo de gênero. Como desdobramentos desta mudança está (a) a campanha “Respeito is on” (2016) e a defesa de que o respeito é necessário e é para todas as pessoas; (b) a consolidação da Skol como a primeira marca a patrocinar a Parada LGBT, vinculando-a à causa; (c) a reconciliação da marca com o público feminino na campanha Reposter (2017), procurando superar o seu passado machista; (d) o lançamento de uma edição limitada chamada Skolors (2017) com latas em cinco tonalidades diferentes para simbolizar a diversidade e a beleza das cores das pessoas; (e) a iniciativa #MarcasAliadas (2018), calcada no respeito e combate ao preconceito, abre possibilidade para aproximação de marcas e empresas defensoras do movimento LGBTQIA+. O processo seletivo para trainees da AMBEV, sob a qual encontra-se a Skol, hoje exalta o desejo de ir além dos rótulos e “encontrar pessoas diversas, com sede de aprender, conectar e realizar”.  O discurso para os potenciais candidates dá pistas do objetivo de se construir uma empresa rentável, mas não a qualquer custo. Os aspirantes a trainee deparam-se com os seguintes dizeres nesse sentido: “Temos nosso jeitinho de ser e, por isso, vamos começar te explicando sobre o nosso mundo, nossa cultura, nossa gente e nossos grupos de diversidade. Queremos que se sinta pertencente, respeite sua curva de aprendizado e tenha a certeza de está tudo bem em dizer “eu não sei”.

A diversidade (de protagonistas, personagens, contextos e cenários) das campanhas mais atuais pode ser conferida na página da própria marca. Nos filmes recentes da Skol, entre outros aspectos, é notória a retomada do humor, mas não de um humor qualquer, sem noção, mas sim um humor circunscrito, antenado às prerrogativas da atualidade. 

Olhar pelo retrovisor as transformações da Skol mostra o quão importante é, do ponto de vista conceitual e didático, ter no radar as dimensões de uma marca (seja ela corporativa ou mercadológica), propostas por Semprini (2010), para conferir às mesmas coerência, plasticidade, longevidade. Segundo o autor, uma marca constitui-se a partir de três dimensões: a semiótica, a relacional e a evolutiva. 

A dimensão semiótica refere-se à capacidade de construir e de veicular significados via publicidade ou a partir de outros atos discursivos. Já a dimensão relacional mostra como é fundamental considerar os protagonistas, os públicos de interesse (internos e externos), envolvidos no processo de construção e de trocas do projeto da marca. Já a dimensão evolutiva fala do caráter dinâmico e mutável de uma marca para mantê-la em constante evolução, em fina sintonia com os imperativos do nosso tempo.

Tudo isso posto, para a gente ser capaz de sacar se a diversidade é da boca para fora ou efetiva por parte das marcas, o conselho é observar com atenção, ao longo do tempo, de modo crítico quais são as escolhas e as ações de determinada marca. Que elementos e significados do espaço social esta marca aproxima-se e articula?  Que tendências socioculturais, pautas e preocupações políticas estão no horizonte da marca? Como essa marca relaciona-se com seus públicos (funcionários, fornecedores, prestadores de serviços, especialistas, consultores, sociedade civil, publicitários, consumidores, poderes públicos, grupos de pressão, organizações não governamentais, concorrentes, sindicatos)? Nos discursos sociais (seja na realidade objetiva ou no contexto digital), como os públicos de interesse, criticam, avalizam ou refutam as posturas da marca?

Fica, por assim dizer, o convite para colocar lupa sobre as iniciativas sob o mote da diversidade.

Não há espaço para oportunismo. Práticas performáticas caem por terra rapidamente, ainda mais em meio aos fluxos e tecnologias comunicacionais que nos atravessam na contemporaneidade. 

Professora do curso de Ciências Sociais e do Consumo da ESPM-SP

Matéria publicada no Blog NotaAlta ESPM em 05/10/2021

https://notaalta.espm.br/fala-professor/diversidade-praticas-inclusivas-efetivas-ou-performaticas/

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